domingo, 12 de abril de 2009

Carta à Veja

Revistas semanais são as campeãs em absurdos no jornalismo. Mas não deveria.

Por ter um tempo maior que os jornais, caberia à revistas fazer um jornalismo de análise com contextualização e profundidade. Ao invés disso o que se vê é um jornalismo puramente de opinião, em que se tenta amarrar ideias (velhas e batidas) a fatos que aconteceram durante a semana.

Na edição da revista Veja do dia 1º de abril (juro), a publicação se aventura em fazer uma defesa camuflada a dona da Daslu, Eliana Tranchesi, que havia sido presa (e solta) dias antes, por sonegação fiscal. Mas isso não foi o que pior aconteceu na matéria de capa. Na introdução, a matéria policial, ganha viés político, com argumentos que beiram o absurdo.


Posto isso, resolvi escrever uma cartinha (e-mail) a Veja. Que segue:

Às vezes lendo as notícias tenho a impressão que ainda estamos na pré-história. Tanto pelo o que elas contam quanto pela mentalidade de quem as escreve. Gostaria de poder fazer um comentário melhor embasado sobre a última matéria de capa VEJA, mas confesso que nem tive paciência de ler mais nada depois que vi escrito que, “a riqueza no capitalismo moderno, é fruto do trabalho, ousadia e criatividade – e como tal, produz emprego, consumo, e outras oportunidades de negócio num ciclo virtuoso”. Gostaria muito de acreditar nisso. Aliás, acreditava, quando criança meu pai me deu uma rasa explicação das razões do mundo ser o que é. Hoje faria o mesmo pelo meu filho.

Mas acreditando que o público da VEJA seja adulto, esse público (eu) merece razoável respeito a sua inteligência.

De imediato, tive a impressão que a pessoa que escreveu não vive no mesmo mundo que eu. No mundo em que vivo o capitalismo não é moderno, é selvagem. O mercado está envolto numa grande crise financeira, em razão da sua total falta capacidade de prever os riscos de papeis podres e identificar as bolhas no crédito.

No mundo em que vivo a riqueza não é fruto do trabalho, talvez, no máximo, o sustento seja fruto do trabalho. Pois se alguns ganham em algumas horas mais que a grande maioria ganharia durante a vida toda, não é possível que, por mais vagabundos que sejam esses pobres, que eles tenham trabalhado tão pouco na vida. Há de se considerar também a tal “ousadia e criatividade” de pessoas iluminadas como o filho do presidente, que transformou sua paixão por videogames numa empresa altamente rentável, conseguindo até atrair como sócio outro gênio visionário das telecomunicações, Daniel Dantas.

É só um exemplo, mas poderia citar outros como o Phil Knight, dono da Nike, que ganha mais dinheiro que o batalhão de crianças que trabalham em suas fabricas na Ásia. E como é fisicamente impossível que Phil trabalhe mais que todas as “suas” crianças juntas, podemos deduzir que o que falta aos pequenos indonésios é “ousadia e criatividade”.

E por fim, no mundo em que vivo o consumo não é a solução, é parte do problema. O consumismo é o retrato da fragilidade do sistema econômico que o verdadeiro poder de compra esta restrito a alguns poucos. E não é possível que diante dos constantes debates em torno da sustentabilidade, alguém (ainda) imaginar que consumo é a solução. O mantra do consumo que governos cantam em tempos de crise é só um tapa-buraco do ponto de vista econômico de curto prazo. Mas uma catástrofe do ponto de vista ambiental, e em longo prazo, o apocalipse econômico também. Esse “ciclo virtuoso” de consumo é absolutamente insustentável, e se não tivermos isso em mente já, bem... isso vai complicar bastante a explicação para o meu filho de porque o mundo é o que é.

E por último (agora sim último), no mundo em que vivo, a potência comunista capitaliza os lucros do capitalismo enquanto a potência capitalista socializa os prejuízos. Então todo esse papo oitentista de esquerda e direita está pra lá de superado. Lógico que ainda existem as viúvas do muro de Berlim, ou os devotos de Margareth Thatcher, mas à medida que o mundo se alinha cada vez mais ideologicamente (se não ideologicamente, pela ausência total de ideologia), talvez seja a hora de perceber que essa segregação ideológica, além de só fortalecer “o discurso demagogo de credo esquerdista”, acaba jogando mais fumaça sobre o que é realmente relevante.
Resposta da Veja:
"SEU E-MAIL FOI RECEBIDO COM SUCESSO"


Que bom...


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